Em dias tão difíceis,
quando a discussão política e a reação de tantos me surpreendeu, parei para
pensar no que realmente importa, no que é perene. Percebi que, para mim, são os
sonhos e as realizações, sou movida por eles, desde sempre. Foram os sonhos e a
imensa e inabalável vontade de realizá-los que moveram cada um dos meus passos,
especialmente nos momentos mais difíceis. E como é maravilhoso mover-se livre,
caminhar!
Em muitos momentos da
minha vida os passos me fizeram sonhar, sonhava enquanto caminhava, perambulava
por aí... Em outros, foram os sonhos e os desejos que deram ritmo ao andar,
eventualmente trôpego. O tempo passou, mas quando olho no entorno percebo que
minha vida é um misto de sonhos e realizações, de caminhares...
Ontem sai para caminhar
e foi como voltar 25 anos no tempo, me transportei para outras tardes de
primavera, me vi pisando as mesmas pedras, curtindo a sombra das mesmas
árvores, mas já com a bagagem repleta de realizações, algumas frustrações, mas
tomada pelo prazer de caminhar, recordar e sonhar.
Naqueles dias de
primavera de outrora, eu caminhava pela simpática rua Duque de Caxias em Porto
Alegre, para retornar da escola. Apesar de possuir outras alternativas, gostava
de caminhar por ali, na rua onde o sol se esgueirava por entre as
árvores. Por essa rua está muito da história da capital dos gaúchos, num curto trajeto entre a Usina do Gasômetro e a Santa Casa de Misericórdia, do Rio Guaíba ao Centro, um trechinho do Centro Histórico, do melhor que preservamos para as futuras gerações.
Vinha do meu Curso Técnico de Arquitetura e Decoração de Interiores, com a régua T e outros apetrechos pendurados ao ombro, curtindo traços arquitetônicos tão bem marcados naquele casario antigo que resistia a passagem do tempo. Aproveitava para dar espiadelas em direção ao interior do Palácio Piratini, uma paradinha para curtir o azul dos painéis externos da Catedral e continuava, partindo dos altos do Centro Histórico em direção a Cidade Baixa.
E a minha Escola? Continua linda, contando histórias, com seus janelões abertos para o Mundo e pelos quais durante anos olhei a rua e sonhei. Como não amar estudar História da Arte estando num prédio que é pura arte?
Muitas vezes circulava
pela Praça da Matriz, apreciava os traços modernistas do Palácio Farroupilha e
do Palácio da Justiça (jamais imaginei que um dia o frequentaria
profissionalmente) e seguia.
Já viram que linda e emblemática é nossa Deusa Themis, que se encontra na fachada principal do Palácio da Justiça? Para nós a Justiça não é cega, está com os olhos bem abertos!
A Praça da Matriz, onde
estão as sedes dos poderes, permanece altiva, linda, embora um tanto sem
cuidados, com pichações e com ausência de muitas pedras portuguesas que
revestem suas alamedas. Mas é uma simpatia! Ao longo das décadas tem servido de palco
para importantes lutas, como a Campanha da Legalidade que assegurou a
Democracia no Brasil na década de 60, ainda que por pouco tempo.
Na parte mais central
de seu trajeto está o Viaduto Otávio Rocha, ou Viaduto da Borges como é mais
conhecido, uma importante obra arquitetônica que no início do século passado
uniu a parte alta a parte baixa da cidade, uma revolução urbana. Hoje, um tanto
mal cuidado, aguardando as obras de recuperação que não saem do papel, se
mantém imponente, lindo e um dos mais importantes cartões postais da cidade. Sabem
o que mais vemos? Casais de noivos, turmas de formandos, turistas e
toda a sorte de gente que pára para fotografar a vista, para encantar os olhos.
Caminhar por ali ainda
é curtir o misto entre o antigo e o moderno, reencontrar as antigas casas ainda
em pé e ver como o tradicional se mantém, tímido, em meio a agitação da cidade
que só faz crescer. Vizinhando com as Casas do Poder Rio-Grandense lá está ela,
a tímida e antiga Pensão Familiar, em sua construção de 1914.
Em outra construção
similar, está a La Tasca, com seus pães e seu brownie deliciosos.
Mais alguns passos e
uma esquina é tomada por cores e luzes, nos vitrais simpáticos do antigo
casarão.
Além do Teatro São
Pedro, do Memorial do Judiciário e do Memorial do Ministério Público, que não
ficam propriamente na Duque e sim na parte de baixo da Praça, temos instalados por
ali quatro importantes centros culturais, além de uma galeria de arte. O Museu Júlio
de Castilhos, a Pinacoteca Rubem Berta, o Solar dos Câmaras e o Memorial da Assembléia
Legislativa, além da Galeria Duque. Logo, um pequeno reduto cultural.
Muitas casas antigas
ainda guardam seus traços originais, verdadeiras jóias na região central da
capital.
No Alto da Bronze,
ponta da rua por onde se passa para chegar a Usina do Gasômetro, está o Castelinho. A antiga construção hoje
abriga uma escolinha infantil, mas continua embelezando a pequena praça.
Na pontinha inicial
está a vista para o Rio, a Usina do Gasômetro e os caminhos da Orla, local por
onde aproveitamos para caminhar, correr, andar de bike, skate e patins, tomar
um chimarrão e, especialmente, curtir o por-do-sol.
Hoje a Duque
continua arborizada, muitas construções ainda resistem ao tempo. A Praça
continua com suas cores ditadas pelo ritmo das estações, nosso pequeno e
simpático Teatro São Pedro continua lindo e forte, como todo bom
vencedor.
Eu não caminho mais por ali como a visitante de outrora, hoje faço parte daquela paisagem, deixo que ela possa colorir minha vida, mesmo quando a observo da janela da minha casa. Sim, uma sucessão de felizes coincidências me trouxe para os caminhos da adolescência. Mais do que isso? Fez com que ao procurar apartamento eu o encontrasse exatamente no edifício pelo qual meus olhos eram atraídos há 25 anos - muitas vezes olhava para aquela simpática entrada e pensava: um dia morarei aqui. A paixão se perdeu no tempo, a vida tomou outros rumos e ares e um dia lá estava eu, descarregando minhas muitas caixas de mudança naquele endereço dos sonhos da meninice. Alguém ainda duvida que eu seja uma sonhadora? Bom, como sonhos são inesgotáveis, apresento meu próximo endereço, caso haja uma conjunção futura de possibilidade e disponibilidade - lindinho, não?
E no momento em que a Festa
da Democracia se transformou em dias de Intolerância, apresentei para vocês um
pouco da minha história com a rua onde se encontram os maiores símbolos da Luta
Gaúcha, tanto pela Independência desse país como pela manutenção da Democracia –
minha contribuição contra a Intolerância e contra a Ignorância daqueles que
pregaram idéias Separatistas. Porque nessa Terra a palavra Luta sempre foi muito além do papel!
Ah Paula, desse jeito vc apressa minha ida a POA...eheheh... Quando falou da régua T ,só lembrei quando fiz o curso de edificações..hahahah....Belo texto e imagens maravilhosas. bjs..=:)
ResponderExcluirMeu plano inicial era cursar Edificações, fiz inclusive a prova de seleção e fui aprovada. Mas, resolvi partir para o de Decoração e foi uma escolha maravilhosa, um momento especial na minha vida, embora antes de conclui-lo já houvesse desistido de cursar Arquitetura. Obrigada pelo comentário, querido! BjO!
ExcluirLindo texto, Paulinha. Como sempre!
ResponderExcluirIncrível como Porto Alegre é bela e merece ser mais explorada. Merece mais do que uma simples escala para Gramado e Canela. Preciso conhecer POA com a calma que ela merece.
Agora quando você falou de sonhos, de morar na casa dos seus sonhos... eu sou muito assim também. Passo todo dia por um prédio com obra abandonada e penso que um dia ainda vou ter meu atelier ali. Dizem que acontece, né? Minha mãe diz que eu tenho que trabalhar mais o pensamento a meu favor. Comecei a pensar nisso e já venho colhendo alguns frutos de um bom pensamento positivo! rs
Amei conhecer mais sua história e sua cidade tão linda!
Beijos,
Karla
Tão bom sonhar, não? Eu curto, mesmo quando o tempo faz com que substitua um antigo por um novo. Os sonhos valem pela força que nos dão, para impulsionar. Sou uma "viajante" nata, querida. BjO!
ExcluirE eu que pensei que conhecia o centro de Porto Alegre! Depois de ler teu post, tenho ainda muito o que olhar, valeu todas as informações, irei conferir!! Beijos
ResponderExcluirPassamos apressados e nem percebemos nossa cidade, não? Obrigada pela visita! BjO!!
ExcluirMais um texto encantador! E as fotos ajudam muito a aumentar essa vontade de conhecer Poa, que, na verdade, nasceu através de você.
ResponderExcluirVamos passear mais pelas nossas cidades e relaxar por elas!!!
UI, que responsabilidade! Hahahaaa!!! É uma pequena Capital, interiorana, mas tem lá seus encantos! BjO, querida!!
ExcluirUm lindo guia afetivo de Porto Alegre, e com um viés político delicado no final! Gostei muito!
ResponderExcluirObrigada, foi maravilhoso escrever! BjO!
ExcluirMuito legal esse post Paula! Adoiro relembrar minha adolescencia e infancia tb. Que massa vc ter realizado o sonho de morar no predio que vc queria... isso ja aconteceu comigo no primeiro predio em que morei sozinha!
ResponderExcluirbeijos
Bom realizar, não? Costumo dizer sempre: só realiza quem sonha! BjO Mel!!
ExcluirBonito esse olhar sobre a sua cidade!
ResponderExcluirObrigada, querida! BjO!
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