Querência amada na Rota Farroupilha: Caçapava do Sul, a segunda Capital da República Rio-Grandense.



"Quem quiser saber quem sou,
olha para o céu azul
e grita junto comigo,
Viva o Rio Grande do Sul"*


 

Tão difícil escrever sobre o lugar de onde brotamos para o mundo, ainda mais quando ele está na gente sem que tenhamos estado nele. Assim é Caçapava na minha vida, o lugar onde estão minhas origens, a terra que hoje piso e chamo de minha, mas que não me criou, onde não vivi, mas de onde guardo as recordações mais lindas da minha infância. E ela integra a Rota Farroupilha.

Minhas primeiras palavras já foram ditas com o sotaque porto-alegrense, enquanto aprendia a andar pelas ruas da Cidade Baixa, por entre as árvores da Redenção. E Caçapava? Passou a ser sinônimo de casa dos avós, de campos largos por onde correr sem freios em meio aos rebanhos, das frutas colhidas no pé e da paixão pela carne de ovelha frita, que espalha seus aromas pela casa e nos chama para almoçar. Da mesa larga, do fogão a lenha, dos pratos de leite que serviam de sobremesa e dos avisos no rádio, na era anterior ao celular.



Os avós se foram, ficaram as lembranças e saudades, além dos campos largos que avisto enquanto me despeço do sol. Quando o minuano sopra forte, quando ouço as exibidas siriemas ao alvorecer, as impertinentes gralhas azuis, as caturritas simpáticas e os mal humorados jacús, sei que estou em casa. Numa casa habitada por emas e veados campeiros, curiosos. 





Assim é Caçapava, a casa feita de carinho que carrego no coração, mas ela é mais, muito mais do que isso. 

Minha terra, a pequena Sentinela dos Cerros, local de vigília é, antes de tudo, uma partícipe da história. A segunda Capital da República Rio-Grandense não ficaria de fora da Rota Farroupilha, isso era certo. A coloquei na rota e me perguntei: e agora, o que mostrar para as gurias, além dos livros de história? 



A força de um povo que não se entrega. Era isso, história e força, a força de quem resiste e empreende. Pronto, estava feito nosso roteiro. 

O governo republicano saiu de Piratini na virada do ano de 1839, para se estabelecer por quase dois anos na cidade de onde se via ao longe, onde a natureza lhe daria provisões e segurança. E assim foi. 

Saíram do lindo sobrado de Piratini e se estabeleceram na pequena, tão portuguesa, casa dos Ministérios. A residência do general Ulhoa Cintra passou a dar guarida ao governo revolucionário. Ela permanece ali, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção, tímida e um tanto abandonada. 



A cidade, com sua posição estratégica na Campanha gaúcha, sempre esteve envolvida nos acontecimentos e lutas travadas por esses campos do Rio Grande. Berço de figurinhas carimbadas nas páginas dos livros.



Ainda vila se tornou capital de uma República, enquanto o Brasil permanecia curvado à Monarquia. Após a Revolução Farroupilha, ao contrário das punições sofridas por Piratini, foi elevada a condição de município e recebeu fortificações militares, para proteção no período da Guerra contra Rosas. Dom Pedro II ao invés de punir os caçapavanos por sua forte e vigorosa adesão aos revolucionários farrapos, foi até ela recrutar soldados para a Guerra do Paraguai. Interesses, afinal, sempre moveram as rodas da história. 


Dos indios Charruas aos Lanceiros Negros, uma terra povoada por portugueses destemidos e sonhadores. Quando os revolucionários chegaram na pequena vila os habitantes já os esperavam, de armas em punho para engrossar as tropas. Dali saiam organizados, para as batalhas que se sucediam pelos campos da região. Muitas ganhas, algumas perdidas. 



Junto a Casa dos Ministérios foi montada a nova sede do jornal "O Povo", que disseminava os ideais libertários. Tudo parecia correr bem para os revolucionários naqueles anos de 1839/1841. Proclamada a República a bandeira farrapa ganhou o brasão, mas manteve as cores dos ideais farroupilhas. Sim, uma bandeira republicana se deixou balançar na minha terra muito antes do Brasil ser a nossa República. 


No Largo Farroupilha, onde se encontram a Igreja Matriz e o Clube União Caçapavano, há um monumento em homenagem ao centenário da revolução.


 



O prédio atual é mais moderno, mas foi ali, naquele espaço, onde se deu o baile em comemoração a vitória na grande batalha do Rio Pardo, oportunidade onde o hino da República Rio-Grandense teria sido executado pela primeira vez. Embora o hino tenha sofrido algumas supressões em sua letra, é hoje o hino do Rio Grande do Sul, cantado com a mão no peito por qualquer vivente dessas paragens. Digam ai, não é lindo? 

"... mas não basta pra ser livre,
ser forte, aguerrido e bravo.
Povo que não tem virtude,
acaba por ser escravo". 

Caçapava sofreu com altos e baixos e, atualmente, conta com seus produtores e empreendedores para superar as dificuldades. E elas são muitas, se multiplicam e inquietam, mas não amedrontam. Contavam os antigos que carregava uma maldição, por ter sido  a Igreja construída de costas para a cidade (como saber se foi construída de costas ou se a cidade apenas cresceu e se desenvolveu por detrás de suas torres?). E que lindas torres, cravejadas com o cobre retirado das entranhas dessas terras.



De antiga Capital do Cobre a Capital do Calcário, hoje Capital do Turismo de Aventura e do Turismo Ufológico, mantém suas ruas estreitas, muito pouco de seu antigo casario e algumas referências históricas, mas conta com universidades privadas e com a Universidade Federal do Pampa. Como é designada? Portal do Pampa Gaúcho. 
  






Terra de ovinos laneiros e de rebanhos de bovinos, possui na Vila Progresso, na BR 290, muitas lojas com a venda do artesanato local. 








Não vou indicar um hotel, pois fomos recebidas na fazenda de um amigo da Alexandra, produtor e entusiasta dos olivais no município, um vigoroso empreendedor. Por lá conhecemos a plantação de onde sai a matéria prima do Azeite Alma do Segredo. O produto leva o nome da localidade onde a propriedade está situada, junto ao parque turístico Pedra do Segredo - um agrupamento de cerros, com labirintos e muitas cavernas, ponto de encontro de montanhistas. A galera foi dar uma volta, enquanto fotografava à distância as belezas do lugar. 











Na área rural temos ainda as Minas do Camaquã - antiga sede da Companhia Brasileira do Cobre, de Francisco "Baby" Matarazzo Pignatari (aquele do Parque Burle Marx, em São Paulo). A história das Minas acompanhou por décadas a história de Caçapava, mas merecerá um post autônomo.

As Guaritas, umas das 7 Maravilhas do Rio Grande do Sul, fica no caminho que percorremos entre a cidade e as minas. Rochas magnificas, talhadas pela erosão de milênios e pela força dos ventos, inúmeras tocas (cavernas) e muita história tem servido de cenário para filmes, como Valsa para Bruno Stein e Anahy de Las Misiones. Recentemente a sede da associação, casa construída para o Valsa, foi cedida para as filmagens da minissérie Animal, do GNT. 









Ah, como as histórias contadas e recontadas pelos mais velhos, sobre as guerras, tropeiros que se abrigavam nas tocas e outros coloriram minha imaginação. As Guaritas, de onde se vê ao longe, local de vigília e de muitas belezas. 



Éramos esperadas para o jantar, mas consegui chegar a tempo de apresentar o por do sol da minha terra para as amigas. Da estrada, direto para o Forte Dom Pedro II, de 1848. Antes de tudo, uma paradinha em campos dourados.

 
Construído logo ao final da Revolução Farroupilha, já como proteção para a Guerra contra Rosas, possui muros de um metro de largura erguido em pedras e cal. Em formato de polígono hexagonal, jamais foi concluído. 


 
Como não posso subir e apreciar a vista do alto, aproveitei para curtir a brincadeira das meninas, enquanto as fotografava. Lindas imagens de um entardecer maravilhoso. 



 



Enquanto o sol partia, a lua cheia chegava faceira (e linda). 



Uma das imagens preferidas desse dia não é minha, mas por um atrevimento chega nesse post para lhe dar cores. É da Roberta, do Territórios. 

 

O que fizemos no tempo que permanecemos na cidade? Vamos ao onde comer e beber!

Ainda tínhamos um tempinho antes do jantar e levei a turminha para conhecer o Caminito, o café mais lindo da região (sim, ele extrapola fronteiras com sua graça). Tem poucos anos e está em constante evolução, sendo mantido com todo o cuidado e amor por seus proprietários. Confesso, tive que me controlar para não sair de lá agarrada na tv biblioteca, na máquina de escrever, nas poltronas de cinema, na.... 











De mesa em mesa.

Já nos esperavam no Restaurante Urbanu's, meu restaurante preferido na cidade, desde sempre. Há mais de vinte anos frequento aquelas mesas, sempre que posso. Pizzas e filés, filés e pizzas, sempre tão difícil escolher. 




Acompanhei boa parte da trajetória, enquanto eles pulavam de casa em casa até se estabelecerem no melhor ponto da cidade. Uma história de empreendedorismo, das melhores. Lembro do proprietário Guto andando por entre as mesas, sempre alegre. Depois de seu falecimento sua sócia e companheira de vida segue tocando o negócio e ela, a Daniela, nos recebeu para uma noite maravilhosa. 


Nossas fotos não ficaram tão boas, não fazem jus a uma noite tão especial e aconchegante. A luz não ajudou muito e estávamos tão alegres, tagarelas, que nem percebemos. Então, vou mesclar fotos de todo mundo, por aqui. 





A Daniela, além de nos oferecer um dos melhores jantares da viagem, ainda chamou os amigos para que nos apresentassem outras delicias produzidas na cidade. O pessoal da Cerveja Artesana e da Brigadeiru's






Deixei a cerveja para quem não estava dirigindo, mas me apossei dos docinhos, claro! 






Uma cidade, muita história e tantos amores. Assim é Caçapava na minha vida, aquela que me deu a certeza de que "nas minhas veias escorre o sangue herói de farrapo"*. Quando sinto seus cheiros, escuto o minuano ao quebrar suas esquinas ou sento para me despedir do sol, a ganho como poesia...

"Eu sei que não vou morrer,
porque de mim vai ficar, 
o mundo que eu construí,
o meu Rio Grande meu lar..."**





Informações:

Distante 260Km de Porto Alegre, tem boa parte do trajeto desenvolvido pela BR 290, a Rodovia do Mercosul.
No núcleo urbano temos algumas referências históricas, como o Forte Dom Pedro II, além da Igreja Matriz e do Centro Municipal de Cultura Arnaldo Cassol.
Nas imediações da cidade, já no caminho para as Minas do Camaquã, se encontram estabelecidas várias empresas de extração de calcário. A localidade é conhecida como Caieiras, que são minas a céu aberto.
O distrito de Minas do Camaquã se localiza a 66Km de distância, sendo pouco mais de quarenta deles asfaltado. O restante do percurso é feito em estrada de terra em boas condições, por onde se passa pelas Guaritas.
Maiores informações sobre o Caminito, Urbanu's e Artesana, clique aquiaqui e aqui. Ops, já estava esquecendo dos docinhos da Brigaderu's, aqui.
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Músicas que ilustram, com sua poesia, esse post - links sonoros:

* Querência Amada, de Teixeirinha.
** Origens, de Antonio Fagundes e Euclides Fagundes Filho.
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O cafezinho e o jantar nos foram oferecidos em sistema de parceria, mas as opiniões aqui expostas não sofreram qualquer influência.


 A viagem #RotaFarroupilha é um projeto do Territórios e do As Peripécias de uma Flor, em parceria com os blogs Café Viagem e Mochilinha Gaúcha, que contou com as participações especiais de Andarilhos do Mundo e da jornalista Criz Azevedo. O roteiro teve o apoio de empresas regionais como BC&M Advogados e Agropecuária Sallaberry, além do suporte do Sebrae Costa Doce e de algumas secretarias de turismo. A viagem usou como base o Caminho Farroupilha elaborado pelo Sebrae RS e oferecido, como pacote turístico, pela Tchê Fronteira Turismo, de Bagé/RS. 





Índice das postagens da #RotaFarroupilha:

São Lourenço - 2ª parte: Sitio Flajoke e Fazenda do Sobrado (a Casa das 7 Mulheres)

28 comentários

  1. Já estive em Caçapava e ainda não fiz meu Post, mas está demais o teu post!

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  2. Excelente, como sempre! Adoro o Urbanus e o Caminito fui tomar um café com tua mãe ano passado! Belo post! Bjo

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  3. Que post cheio de emoção, história e cultura! Adorei! E quem é que precisa de hotel quando pode ficar em uma fazenda dessas? Adorei o Caminito, parece muito fofo, deu vontade de ir tomar um café =)

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    1. É muito fofo, mesmo. Daqueles lugares em que tudo foi sonhado e realizado com paixão. BjO!!!

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  4. Ai ai, as lembranças de casa de vó... tem nada melhor né? <3 Ainda mais em um lugar com tanta história, construções lindas e essa natureza que me deixou encantada aqui!!! Demais!

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  5. Adorei, é muito bom ver a história reescrita aqui no seu blog, com tantos detalhes e emoções. Muitas vezes nosso Brasil guarda tantas histórias esquecidas, nos muros dos casarões e nas avenidas, é muito bonito ver elas sendo revividas como você fez.

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    1. Gosto dessa parte, de ver o que está ali, por estar. É história pura, sempre com olhos no futuro. BjO!!!

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  6. Que lugar mais lindo!! Me lembrou muito um lugar que eu ia com meus avós quando era criança, quanta saudade! Amei as fotos, uma mais linda que a outra!

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  7. Quero ir para Caçapava do Sul! Que lugar deslumbrante é esse? Belíssimo post Paula!!!!

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  8. Uaaau!!
    Adorei a maneira como contou sua história e envolvimento com a cidade e ao mesmo tempo dando dicas sobre o que fazer e conhecer por lá!

    Ótimo post! Parabéns!

    Abraço

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    1. Costumo brincar que é post ao estilo Mochi, nada comercial, mas cheio de poesia, como amo. Obrigadão! BjO!!!

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  9. Que delícia de lugar e de post. Algumas coisas me lembraram Bento Gonçalves, que eu amo demais. <3 Quero muito conhecer Caçapava do Sul!

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    1. Tem alguns pontos em que a paisagem da zona rural se assemelham, mesmo. BjO!!!

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  10. Mais do que um post, esse texto é uma declaração de amor a Caçapava hein? E cada foto linda, com dicas de delícias para provar. Vontade de fechar a mala e ir djá pro RS a cada novo post seu.

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    1. É tão pequena, anda tão mudada, mas ainda tem muita coisa linda por lá (e delicias, claro). BjO!

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  11. Turismo ufológico? hehehe legal! Impossível não lembrar na minissérie da Globo e do Bento Gonçalves falando de Caçapava! E cada pôr do sol hein?

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    1. Tem até uma placa na estrada, pena que não localizei a foto para postar. Eu acho super divertido, mas tem uma turma que leva super a sério. hahahaha!!! BjO!

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  12. Post estilo Mochi, cheio de hiatória, cores, sentimentos e sabores. Amei as fotos e conhecer a tua tão famosa Caçapava! Lindo post, parabéns! bj

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  13. Gostei do seu "post" sobre Caçapava do Sul, uma aula de história e pela imagem do casarão ( azul ) que foi do meu avô paterno Pedro Pereira de Linhares e que herdei de meu pai, Vantuil Pereira de Linhares. Um abraço.

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  14. Quanta foto linda num post só. Deu vontade de conhecer estas formações rochosas maravilhosas.

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