Só uma contadora de
histórias...
Faço anotações em
viagens, eventualmente, mas jamais o fiz em forma de diário. Primeira vez,
talvez última.
Decidi lançar aqui os capítulos, como os escrevi, sem correções, sem alterações e muito pela interferência dos amigos. Uns curtem, outros se sentem feridos, mas é da vida.
Tenho muitos capítulos, escritos em Havana e em Varadero, mas além desse farei apenas a postagem de mais um. Depois? Só as belezas das ruas Cubanas, a alegria das cores, a mescla de carros e o sorriso das pessoas, que jamais esquecerei.
Decidi lançar aqui os capítulos, como os escrevi, sem correções, sem alterações e muito pela interferência dos amigos. Uns curtem, outros se sentem feridos, mas é da vida.
Tenho muitos capítulos, escritos em Havana e em Varadero, mas além desse farei apenas a postagem de mais um. Depois? Só as belezas das ruas Cubanas, a alegria das cores, a mescla de carros e o sorriso das pessoas, que jamais esquecerei.
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"Cada hora de aislamiento que sufre el hermano pueblo
de Cuba, constituyen 60 minutos de
verguenza hemisférica"
Omar Torrijos
Reunion Del Consejo de Seguridad de La ONU.
Panamá, 15 de marzo de 1973
Cuba é intrigante e
surpreendente, mexeu comigo como nenhum outro lugar no mundo, jogou aos meus
olhos as diversas facetas de um regime que me fora exposto, ao longo das
décadas, por ângulos diversos e antagônicos. No momento em que entrei no voo
Panamá/Havana ela começou a se desnudar, sem pudores, ora gentil e sedutora,
ora com a violência da liberdade degradada.
Para mim Cuba foi La
Habana, a cidade de todas as tribos, de todos os tempos, a rainha do que passei
a chamar de universo paralelo.
Nos primeiros dias cada
informação que recebia, cada olhar ao longe usado como resposta, cada surpresa
ao dobrar de uma esquina fazia com que lembrasse de uma série antiga e que
assistia na infância (que já era antiga quando a assistia), O Elo Perdido!
Andei por aquelas ruas
como quem volta no tempo, como quem é atirado numa época que não mais existe,
que não lhe pertence, mas que de uma forma única recebe informações do futuro -
sim, todos possuem celulares e alguns acessam a internet. Enquanto tinha os
primeiros contatos com aquele país, tão peculiar, lembrava do lindo tema
musical de "Em algum lugar do passado".
Chegamos exaustas, num
sábado à tarde. Depois de um pequeno tour por Vedado, um bairro moderno, uma
refeição num café contemporâneo e frequentado por estrangeiros e uma caminhada
por entre os locais, sucumbimos. Acordamos na manhã seguinte, com novos aromas,
cores e sons surpreendentes - era chegada a hora de ganhar as ruas e descobrir
o que aquelas esquinas tinham para nos sussurrar.
Naquele domingo, as
largas avenidas contavam apenas com veículos que saíram de circulação muito
antes das gaúchas terem nascido. Avenidas largas e livres, com semáforos
modernos e cinemas antigos. Os possantes e barulhentos veículos passavam
lotados, cheios de uma gente de traços novos e tão cheios de vida - eram os
táxis coletivos. Tantos sons, tanta fumaça e tanta leveza. Andávamos em meio a
eles sabendo que não pertencíamos aquele lugar, que nos era permitido apenas
espiar aquele universo tão próprio. Aos
poucos fomos nos mesclando aquele meio, aquelas pessoas, nos amorenando pela
fuligem e nos deixamos encantar pelo que nos cercava.
Primeiro, uma parada na
feirinha de artesanato na Avenida Vinte e Três, depois alguns minutos
observando o cinema Yara e o povo nas paradas de ônibus e junto a janelinha de
uma lanchonete, de onde saiam com pequenos lanches.
Uma segurança constrangedora em meio a necessidade, a pobreza e a miséria. Onde a grande massa que nada possui, não lança olhares de cobiça, quanto muito um olhar discreto de curiosidade para a tela colorida do smartphone moderninho ou da câmera fotográfica. É, das pequenas liberdades que não possuímos.
Fomos descendo em
direção ao Malecón, éramos abordadas de tanto em tanto, gentilmente íamos
despistando e seguíamos caminho. Ao final da avenida o mar se abriu, com um
lindo calçadão e uma mureta belíssima – o Malecón. Sentimos a brisa, mas
naquela manhã os espaços estavam sem vida, tristes e silenciosos, um caminho
sem gente e sem vozes.
Hora de pegarmos um
taxi coletivo para descobrirmos a Ciudad Vieja. Ops, cadê aqueles tantos
carros? Sumiram. No cruzamento um pequeno triciclo se aproxima, barulhento, um
charme em forma de coco. Alguns segundos para o acerto e conhecíamos Juama, uma
simpática nativa. Segundos depois, a corrida de 5CUC já havia se transformado
num passeio turístico de 20CUC a hora. Caro? Considerado o câmbio em euros para
brasileiros nesse 2015, um absurdo, mas delicioso. Reencontraríamos Juama e seu
esposo (e parte da família) muitas vezes, ainda.
Partimos com o vento
encaracolando meus cabelos, rodamos pela orla, pelas avenidas e vielas da
cidade antiga, por entre uma infinidade de construções centenárias e que formam
um conjunto único. Fomos parando nas atrações turísticas, internalizando o mapa
daquele lugar e fazendo perguntas, muitas perguntas. Nunca, em tempo algum,
lançamos tantos questionamentos como em Cuba.
Do centro histórico direto
para a Plaza de La Revolución, do antigo ao moderno, do abandono ao luxo. Não
posso dizer que os monumentos são símbolos de um regime de exceção, pois a
grande massa apoiou e amou os ideais revolucionários, até perceber que a
liberdade silenciada não é liberdade. Todas as pessoas com quem conversamos
acreditaram e defenderam a revolução ao longo de boa parte da vida, mas viram
na falta de liberdade, de oportunidades e na degradação do próprio sistema o
fim das ilusões. Se há corrupção e enriquecimento ilícito? Como diria meu avô,
há muito falecido: "desde que o Mundo é Mundo, como em todo o lugar"!
Aquele espaço, entretanto, simbolizou para mim o silêncio - aquela cidade
construída não possui vida, a vida está no batuque e no gingado dos habaneros
espalhados pelas vielas da cidade. Ali, na Plaza de La Revolución, o espaço é
dos turistas.
Conversamos com muitas
pessoas, muitas Marias e Joãos, que olham para os lados antes de responderem,
baixam o tom da voz, mas onde se percebe o prazer de contar e de mandar além
mar suas histórias e sonhos. As palavras que mais traduzem todas as conversas?
Esperança e Liberdade. Há um amor por
Cuba, pelos ideais revolucionários, pelo bom nível de escolaridade, mas uma
descrença em quem comanda, uma crítica ao sistema, alguns falam em corrupção e
todos se envergonham da miséria a que são submetidos.
E Havana é só isso?
Não, a vida pulsa em todos os poros, há um gingado leve e deslizante, há cores
e sons, um tanto de alegria.
Não acredito que haja
em qualquer outro lugar um patrimônio histórico de costumes - casas
residenciais, mais coeso no mundo. Não são unidades ou ruas isoladas, são
milhares de casas e prédios sem interferência contemporânea e em pleno uso.
Traços absolutamente preservados, com aberturas e telhados originais. Muitos
elementos decorativos estão se perdendo pela ação do tempo, uma pena.
Há conjuntos de
quarteirões com construções em ruínas, mas ainda habitados, muitas unidades
interditadas e outras tantas em fase de restauro. A Ciudad Vieja ocupa uma
grande área da Capital.
O conjunto humano se
soma ao patrimônio histórico, uma beleza ímpar. Caminhamos por horas e horas,
num calor absurdo, dia após dia, incansáveis. Uma rua lhe empurra para outra,
para uma viela, para outra rua e as preciosidades se multiplicam. Não sei se possuem
o alcance do valor desse conjunto, mas a história cubana está viva, exposta, um
tanto ferida, mas à vista de todos - está pelas ruas e becos.
Há muitos palácios e
prédios imponentes, espetaculares. O Capitólio, o Museu de Belas Artes e o
Teatro Nacional, são sensacionais. Antigos? Nem tanto, já que o Capitólio é de
1929 e os demais dos anos 50.
Vivemos La Habana? Não,
a espiamos. Nossos euros, passagens de retorno e passaportes nos protegeram das
dores, da fome e dos medos, permitiram ver e sentir sem sofrer. Da viagem
interior não tínhamos proteção e ela chegou, forte, dura e avassaladora.
A cidade é bela, mas te
faz sorrir e chorar com a mesma intensidade, te invade e te abandona, te faz
refletir sem parar na vida do lado de cá. A latinidade, tão latente, é o condão
que primeiro te aproxima do povo e que faz com que nos coloquemos no seu lugar. Há uma busca por caminhos, por saídas.
Onde há liberdade até a
miséria, a fome, a insegurança e o desamparo podem (não devem) ser
relativizados, pois ela também parece alimentar. A ausência desse direito
entristece o olhar e envergonha. Para quem está de passagem? Embarga a voz.
Já li vários relatos de viagem de Cuba, mas nenhum com a emoção que passa nos seus. Fico aqui anciosa esperando os próximos.
ResponderExcluirDepois desse, mais um capitulo e só. Após, só as belezas daquela terra e são muitas. A ilha é cheia de belezas e surpresas e, acredito, gostarás das cores cubanas. BjO!
ExcluirMais um texto incrível, Paula.
ResponderExcluirConseguir traduzir esses sentimos contraditórios no papel só nos emociona e inspira! ;)
Acho que foi uma experiência única e o fato de ter aproveitado a falta de internet para escrever, fez toda a diferença. Hoje, não conseguiria transcrever aqueles momentos da mesma forma. BjO!!
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