Possuo criação católica, mas hoje me considero religiosamente livre, sem amarras. Circulo, sou eclética, mas guardo um cacoete católico, herdado: gosto de papear com os Santos. Então, além de curtir visitar Igrejas, fazer meus três pedidos quando é minha primeira vez num templo, sou uma apaixonada pelos traços arquitetônicos e artísticos guardados por séculos e, normalmente, bem conservados que possuem.
Considero as Igrejas museus com as portas abertas, onde as obras estão por todos lados, na arquitetura dos prédios, nos afrescos, esculturas, entalhes e, muitas vezes, até no piso.
Nessa história de dar uma paradinha aqui e acolá para pedidos, tenho tido belas e agradáveis surpresas. No sábado inclui mais uma em minha lista: Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viamão/RS.
A pequena cidade é quase um braço de Porto Alegre, a gente roda por uma avenida e nem percebe quando ultrapassou o limite entre elas. Ao acessar o centro, lá está a grande construção branca, na praça. Embora possua traços imponentes do Barroco Colonial, para muitos acredito que possa parecer apenas uma construção antiga, caiada.
Passamos ao lado e, enquanto procurávamos um acesso, me dirigi mais ao centro da praça para fotografá-la. Minha primeira surpresa, seus traços me remeteram ao século XVIII, com linhas retas, sóbrias, duas torres sineiras, janelas em arco e muita simetria. Não era mais a Igreja caiada que vi ao longe, mas uma jóia perdida numa cidade simples. Por onde mesmo entramos?
Me aproximei da porta para ler um pequeno cartaz (que indicava que devíamos entrar por uma porta lateral), quando meus olhos correram pelos entalhes, feitos na madeira nobre, no melhor estilo Rococó. Fotografei, sai pensando na beleza singela daquele trabalho, no desgaste do tempo e quando levanto os olhos a Ná está parada na porta, fazendo sinal de que vira algo espantoso. Bah, pragmática como sou, logo pensei que tivéssemos perdido tempo e que fosse uma capelinha.
Fazia tempo que não me surpreendia tanto ao entrar numa Igreja. A simplicidade dos traços, simétricos, retos e fortes, no interior são adornados por belíssimos altares em madeira. Confesso que meu primeiro pensamento foi o de me perguntar o que eles faziam ali (?). A grandiosidade e a importância artística daqueles entalhes rococós pareciam não combinar com o entorno, mas um banner nos informava acerca das datas de construção do templo e das restaurações empreendidas, bem como seu tombamento em 1938. Enfim, um conjunto, desde sempre.
Deixei meus pedidos para mais tarde, fui caminhar, observar os detalhes dos altares. Uma combinação perfeita entre o Barroco Colonial e o Rococó, em bom estado de conservação. Logo descobrimos, é a segunda Igreja mais antiga do Rio Grande do Sul.
O teto de madeira na cor azul possui o único afresco do templo: a Santíssima Trindade, junto ao altar-mor.
A beleza do local está no conjunto de seis altares laterais e do altar-mor. O conjunto data da época da construção da Igreja, 1766/1770. Não foi construída ou trabalhada por artistas conhecidos, o que a torna ainda mais surpreendente.
Os altares possuem desenhos distintos, mas são harmoniosos entre si. Cada um é dedicado a um Santo, que é circundado por outras imagens, algumas muito bonitinhas.
O primeiro onde me detive foi o dedicado a vó de Jesus, Santa Ana. Uma imagem da Santa ao centro, ladeada por Santo Expedito e Santa Luzia - ainda que quase todas trazem uma plaquinha indicativa, pois sem elas não saberia o nome de metade daqueles santos. Observem os detalhes dos entalhes, especialmente nas colunas.
O de Santa Bárbara contrapõe sua força, de protetora das tempestades - o mais sóbrio. Jamais tinha ouvido falar em Santo Isidoro, achei o cara uma simpatia, com suas calças curtas.
E quem dá vida a Igreja Católica? O Divino Espirito Santo. E ele tem um altar em sua homenagem, estando protegido por São José e São Pedro.
Nossa Senhora das Dores está acompanhada de São Caetano e de Santa Inês, dos quais jamais havia visto uma imagem.
São Miguel Arcanjo está acompanhado de São Roque.
O último altar lateral, que ladeia o altar-mor, é dedicado a Nossa Senhora do Rosário, na companhia de São Francisco de Paula (São Chico) e Santo Benedito.
O altar-mor é dedicado a Nossa Senhora da Conceição. O estilo se distingue um pouco dos demais altares, nesse o mais marcante é o Barroco Colonial, com seus degraus e maior sobriedade. Nossa Senhora deveria estar ladeada por Nossa Senhora da Paz e Santa Rosa de Lima, mas as imagens não estavam ocupando seus espaços, uma pena.
Linda a Igreja e seus altares, não? Com traços tão brasileiros, típicos de nosso Barroco Colonial, somados a riqueza de detalhes do Rococó (mistura de linhas retas e curvas, simetria e uso de tons pastéis e dourado). Acho que uma última observação a ser feita e que talvez explique a simplicidade do templo que guarda tão sofisticados altares, é acerca do fato de ter sido construída por um fazendeiro, em suas terras, então chamadas de Estância Grande. Na época, os estancieiros costumavam erguer capelas, sendo que as Igrejas eram construídas pelas comunidades no que seria o centro das vilas e cidades. Ao contrário, Francisco da Cunha ergueu uma Igreja em suas terras, que hoje é a Matriz da cidade. Não me furto de imaginar o encantamento das pessoas com algo tão lindo, numa época onde pouco se viajava e não existiam televisores ou revistas.
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