Sampa e sua Casa de Ópera: uma visita guiada ao Teatro Municipal.


No outro final-de-semana aproveitei um encontro com amigas para abraçar, com carinho, uma aniversariante. E a jovem senhora me recebeu iluminada e o sábado foi dedicado a conhecê-la um pouco mais, saber de suas histórias e provar de suas delicias. Foi bom reencontrá-la, São Paulo. 


E no aniversário da cidade, qual o maior presente que me dei? Sim, ela faz aniversário e o presente é meu!! A visita guiada pelo Teatro Municipal de São Paulo. 


Teatros, especialmente os históricos, são minhas paixões. O Municipal de São Paulo povoou meu imaginário desde sempre e, embora tenha visitado a cidade inúmeras vezes, o encontro era sempre adiado. Mais que assistir espetáculos, queria observar seus detalhes arquitetônicos, esmiuçar um pouco de suas histórias e isso a visita guiada proporcionou. 


Fiquei no grupo do Guia Jaime, um rapaz tranquilo, cheio de histórias para contar e que soube organizar bem o andamento dos trabalhos. Como é permitido fotografar  ao longo da visita, o combinado foi de primeiro conversarmos em grupo e após, em cada etapa, termos alguns minutos para as fotos. O tempo previsto para o percurso é de 1h, mas permanecemos por 1h35min, sem qualquer inconveniente. A visitação se dá aos espaços públicos, ficando reservadas as salas onde se desenvolvem as atividades e ensaios, a área administrativa, coxia e camarins. A visita é gratuita, devendo o interessado fazer a inscrição junto a bilheteria no dia - cheguei com 40min de antecedência. 

Pronto, informações práticas encerradas. Vamos viajar?


Virada do século, as riquezas do café levam famílias para conhecer a Europa, muitos filhos de famílias abastadas ganham as terras do Velho Mundo em busca de conhecimento e, em algum momento, retornam. Uma cidade que cresce, sem que seus espaços culturais estejam a altura da nova classe social que se forma. Há três teatros, acanhados demais para os desejos cosmopolitas dos paulistanos. E o Governo? Já reclamava da falta de dinheiro para a construção de uma Casa de Espetáculos, isso lá no inicio do século XX. Num lampejo, entretanto, uma idéia: oferecer 30 anos de isenção de impostos para quem desejasse investir na construção do novo Teatro - não rolou. Um tanto sem saída, o governo aumentou a proposta: 50 anos de isenção de impostos, em troca de um belo Teatro para a Capital. Ah, agora os endinheirados curtiram a proposta, ou melhor, três Barões do Café resolveram bancar a construção e garantir para seus descendentes décadas longe das garras do Leão Estadual. 

Meu destaque vai para o Barão de Itapetininga, pois ele era o dono da área, conhecida como Chácara do Chá - uma área úmida e imprópria para a cultura do café. Tudo acertado, dinheiro e um belo espaço no Morro do Chá garantidos, em 1903 foi dado inicio as obras, que se prolongaram até 1911. Com projeto de Claúdio Rossi e execução do escritório de Ramos Azevedo - o Oscar Niemeyer de São Paulo e responsável pelos projetos da Pinacoteca e do Mercado Municipal, ganhou um estilo Eclético (mescla do Renascentismo com o Barroco brasileiro e o Art Nouveau) - com sua simetria, amplas aberturas e exuberância, com forte inspiração no modelo francês da Ópera de Paris. Logo, antes de ser pensado como um Teatro, foi idealizado como uma Casa de Ópera.  


Para uma construção do porte idealizado, contaram com artistas de várias nacionalidades, bem como com materiais importados, que davam maior glamour ao espaço. Foi projetado para respeitar certas regras de segregação de classes (a hierarquização dos espaços internos, um dos elementos do ecletismo arquitetônico), sendo que já considerou a necessidade de três balcões distintos, com acessos próprios para os públicos da primeira, segunda e terceira ordens. Considerando isso, os pertencentes a terceira ordem acessavam o local por uma das entradas laterais, a partir da qual subiam uma escada até o espaço que lhes era destinado. Essa escada, embora tenha sido desmontada, deslocada e remontada em espaço próximo, para a instalação do elevador, ainda guarda a principal de suas características: até determinado nível poderia ser usada por todos e seus degraus são em mármore - após, a partir do nível que passava a ser utilizada apenas pela terceira categoria, os degraus passam a ser de madeira. Assim, temos escadarias em mármores italianos Carrara, Siena e Verona e, para os menos abastados, em madeira da terra. 



Como toda boa construção de época, a obra é cheia de simbolismos. E, embora muitos dos elementos tenham sido importados, é uma das obras que mais lançou mão de artistas nacionais em seu desenvolvimento. Os grandes empresários do café não estavam dispostos a dilapidar o patrimônio em prol de um teatro, mas desejavam a isenção oferecida e os nomes das famílias eternizados. Bom, não seria necessário jogar dinheiro para cima, não é mesmo? Recheado de lindos elementos, muitos foram feitos por professores e estudantes do Liceu de Artes e Oficios, atual Escola de Belas Artes. 



Entre os elementos esculpidos pelos integrantes do Liceu, estão os três  maravilhosos portões art nouveau, da entrada principal - esculpidos com motivos florais, curvas assimétricas e angulares. Para quem desce a grande escadaria, uma visão da cidade por detrás das grades. 



O grande espaço que se abre é cheio de simbolismos. Além de belos e coloridos vitrais, temos o emprego de elementos da mitologia Grega, Romana e Nórdica. 

A Nórdica pode ser vista do balcão superior e por quem desce a escadaria principal, nos Mosaicos de Veneza, em homenagem a Wagner - inspiradas na ópera "O Anel de Nibelungo": "O ouro do Reno" (em azul) e "As Valquírias". 




A mitologia Romana está representada por algumas das nove filhas de Júpiter, nas Toucheiras da escadaria - simbolizam as artes. Como foi difícil fazer essa foto, depois de dezenas de selfies alheias, claro. 



Quem sobe em direção ao balcão nobre é recepcionado pelo frontão branco que representa o nascimento do teatro - circundado por Cariatedes (as famosas mulheres que sustentam paredes com a cabeça), tendo ao centro a figura de Sátiro (o brincalhão, do cortejo de Dionísio). 



Após uma reforma (1950) e dois trabalhos de restauro, hoje o balcão nobre conta com 11 camarotes, sendo três reservados para autoridades. 

A antiga sala de fumar (Fumoir) destinada as mulheres não se encontra aberta para visitação, mas parte dos móveis sírios marchetados, com detalhes em madrepérola, podem ser vistos na entrada, junto aos camarotes. Presentes do governo da Síria para Jânio Quadros, foram emprestados ao teatro e, posteriormente, incorporados ao patrimônio quando do tombamento da casa de espetáculos. Sou uma entusiasta da marchetaria (minhas fotos da infância repousam num lindo álbum marchetado da década de 40, de minha mãe, que guardo junto com outros objetos trabalhados na minuciosa técnica), então amei as simpáticas poltronas. 



Ao chegarmos na Sala de Espetáculos, fiquei surpresa, pois a imaginava maior. Com 1534 lugares (hoje conta com lugares para obesos e cadeirantes), é um espaço introspectivo e lindo. As imagens foram feitas a partir do balcão, mas desejei muito poder captá-las a partir do palco, pois acho que dá maior grandiosidade e beleza para a estrutura. No interior predomina a cor vermelha, que recobre poltronas, cadeiras, piso e paredes, sendo que o veludo que recobre grande parte dos elementos contribui na qualidade acústica da sala, eliminando vibrações, deixando as notações mais límpidas. 




Muitos dos teatros históricos que já visitei possuem elementos e histórias curiosas, não seria diferente com esse, não é mesmo? Já perceberam a existência, nas curvas junto ao palco, de fileiras de assentos que possuem maior abertura em direção ao público do que ao espetáculo? Hoje, certamente, imaginaríamos se tratarem de lugares mais baratos, em vista da dificuldade de acompanhar o espetáculo. Mas, lá no inicio do século XX, ir ao teatro era prova de se pertencer a uma elite social - então, muitos pagavam para serem vistos. 



Há imagens e representações pintadas no teto, em torno do grande lustre. Possuem um simbolismo, mas confesso que não prestei atenção, fiquei absorta tentando perceber detalhes acústicos e fotografando. Entretanto, destaco a presença, no centro do palco, da lindíssima Afrodite, simbolo grego que representa a perfeição, a beleza, o prazer e a alegria - muito apropriada sua colocação junto ao palco, não? 



A Sala de Espetáculos foi o último ambiente visitado. Entretanto, deixei para o encerramento do meu texto a parte da visita que amei, o local onde teria permanecido por mais tempo a analisar os detalhes, se assim fosse possível. Vamos lá! 

O Salão Nobre, no andar superior, ocupa toda lateral da edificação. Ainda hoje, mesmo com nossos padrões bastante diversos daquela época, é imenso, esplendoroso, com rico pé direito (12m), aberturas amplas e belos vitrais que se abrem para a cidade. 



Sua construção foi inspirada na Galeria de Espelhos do Palácio de Versalhes, sendo originalmente usado para bailes e banquetes, mas que ainda hoje pode ser alugado para eventos. O piso, em pau-marfim e peroba rosa se encontra encoberto por um grande Carpete (irmãos Campana), infelizmente necessário para sua preservação. 



Mais do que nos grandes espelhos, a beleza está nas pinturas e vitrais que acabam por revestir o salão, dando cores e jogos de luzes naturais ao ambiente. Há uma mistura de elementos, espelhos, madeira nobre (jacarandá, aquele das grandes árvores com flores roxas que encontramos pelas ruas), cristais (belgas), pedras (italianas), mármore (nacional) e latão (das portas), que se harmonizam. 




No teto, de estuque (massa de gesso, pó-de-mármore e cal), o maior afresco representa o teatro e foi pintado em 1910, por Oscar Pereira da Silva. Ele permanecia horas, deitado sobre andaimes, executando o trabalho. Um sacrifício que é um presente para quem visita o salão. Os afrescos laterais, que representam a música e a dança foram pintados por colaboradores do artista, sob sua supervisão. No painel da música, uma homenagem para Mozart. No central, referente ao teatro, uma homenagem a Molière. Quanto a dança, fico devendo - alguém me socorre? 




Os vitrais foram confeccionados em Stuttgart, sendo que muitas peças se deterioraram ou foram quebradas ao longo dos anos, sendo restauradas ou substituídas - assim, quanto mais lisa, mais nova e menos original.



Uma última curiosidade sobre o Salão Nobre: os mármores. Ao contrário do que se vê nas demais instalações da casa, as pedras empregadas nesse salão não são provenientes da Itália. Com uma certa licença poética, foram utilizadas pedras de Itupararanga: reconhecem as cores da bandeira do Estado?



Lembram que falei que a tapeçaria é vermelha? Pois bem, nem sempre foi assim. Originalmente, inspiradas no Ouro Verde, as peças e adornos eram verdes, numa alusão as lavouras cafeeiras que geraram a riqueza que possibilitara a construção da casa. Na década de 50, quando procedida uma grande reforma, os materiais foram substituídos por elementos vermelhos, de emprego mais tradicional. Muitos anos após, no primeiro grande trabalho de restauro, procuraram retomar a cor original, quando por um curto período o verde tomou conta do local. No último restauro, entretanto, chegaram a conclusão que o tom de verde original havia se perdido, não havendo razões para a manutenção das tapeçarias num verde estranho às origens, sendo retomado, ao que parece em definitivo, o uso do vermelho. 



Como não amar um espaço tão cheio de histórias e simbolismos, que já dividiu os visitantes por castas sociais, mas que também abrigou as loucuras de Semana de Arte de 22? Bom, agora que andei por seus recantos, dei uma geral em sua história, fotografei, falta só um espetáculo no meu currículo para me declarar uma fã apaixonada pela simpática Casa de Ópera. Anotado no caderninho!









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