Porto Alegre para mim será sempre uma capital interiorana, bem ao gosto de sua gente, unindo o novo ao antigo, com suas ruas tomadas de velhas árvores, estreitinhas para o que muitos gostariam de chamar de cidade grande, abraçada pelo rio e sempre tão cheia de surpresas. E dobrar esquinas sempre é surpreendente, pode proporcionar um olhar novo sobre o que sempre esteve ali, a margem, no desvio.
Um domingo de sol, uma tarde clara de inverno e alguns passos, só do que precisamos hoje para encantar um pouco aos olhos, para encher o dia de poesia.
O entorno de minha casa é cercado de escadarias, pois moro no Centro Histórico, bem no alto, um pequeno oásis pertinho do céu - bom, nem tão perto assim, mas do ladinho de Deus lá isso é, pois lembro disso a cada badalada dos sinos da Catedral Metropolitana. Além das intituladas Quatro Estações do Viaduto Otávio Rocha (para mim apenas escadarias da Borges), temos a abandonada escadaria da João Manoel e a da 24 de Maio - todas ligando a Rua Duque de Caxias as partes baixas da cidade. E hoje foi o dia de revisitar a da 24, a pequena que leva ao bairro Cidade Baixa.
"... eu mandava, eu mandava Ladrilhar.
Com pedrinhas, com pedrinhas de Brilhantes,
Para o meu, para o meu Amor passar"
Na adolescência, quando estudava na Duque, muitas vezes a utilizei para retornar para a casa, para variar o trajeto até a Cidade Baixa - muitos sonhos que hoje realizo foram compartilhados com aqueles caminhos, com aquelas pedras que guardavam meus segredos, meus desejos.
Com o tempo o abandono tomou conta, muitos moradores deixaram o local com medo de assaltos e pelo crescente consumo de drogas. Eu também nunca mais passei por lá. Há alguns anos o local recebeu reparos, a iluminação foi refeita, foram colocados corrimãos e a pequena passagem pareceu retomar seu lugar na cidade. Embora seja um caminho, diferentemente de outras escadarias, essa é completamente habitada, possuindo pequenos prédios e muitos moradores.
Depois da pequena ação de limpeza e iluminação, a área voltou a ficar abandonada, como quase tudo nessa cidade. Mas em 2011 a artista plástica Clarissa Motta, inspirada pela famosa escadaria carioca, encheu de Poesia aquela passagem, deu cores e tons à vida de quem ali reside ou apenas passa apressado todos os dias.
Um verdadeiro mosaico de cores e poesia. Azulejos coloridos, alguns desenhos e muitas letras é o que encontramos ao subir aqueles degraus.
Há frases de Drummond de Andrade, Leminski, Erasmo Carlos, Rita Lee e de muitos moradores do local, todas misturadas, sem identificação, apenas formando um conjunto de rimas e sentidos anônimos.
Uma pequena intervenção urbana, de tantos significados para quem ali reside, meio no abandono.
Costumo afirmar que é mais difícil turistar na própria cidade, onde os riscos estão mais vivos para nós, onde tudo já nos parece tão conhecido, desgastado. Mas a visita que começou com um pouco de receio, foi ficando encantadora ao passo que liamos e comentávamos frases, que víamos o casal com seus gatos ao sol, os meninos fumando já não pareciam tão assustadores e tudo o que interessava eram as palavras. E quando partimos, outros já estavam por lá, curvados, fotografando, sorrindo com aqueles pequenos poemas perdidos pelos degraus da cidade.
Que belo passeio! É sempre bom encontrarmos e reencontrarmos essas pequenas pérolas de delicadeza em lugares que marcaram nossa história. Imagino o quão feliz você deve ter ficado ao descobrir o caminho da sua éppca de estudante enfeitado e revalorizado. Belas imagens, belo passeio!
ResponderExcluirAdoro a versão de Rita Lee para a música de John e acabei por encontrá-la naqueles degraus:
Excluir"Tem lugares que me lembram.
Minha vida, por onde andei.
As histórias, os caminhos.
O destino que eu mudei..."!
Foi muito bom, sim. Obrigada pela visita, Natalia! BjO!!